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terça-feira, 23 de maio de 2017

A primeira vez que percebi ser privilegiada

Eu devia ter menos de 10 anos quando meu pai decidiu num final de dia qualquer que levaria a nossa faxineira até a casa dela depois do trabalho. Ele decidiu também que eu e a minha irmã mais nova iríamos junto. E fomos. E fomos convidados a entrar e tomar um café. E fomos. Naquele dia qualquer meu pai mostrou pra mim e pra minha irmã que a vida que a gente vivia não era a mesma vida que as filhas da nossa faxineira viviam.

Lembro de ser longe, e de ser no alto. Não me lembro muito de asfalto. Lembro até hoje de flashes da casa. Não tinha acabamento em tudo, na verdade me lembro de tijolos e cimento, e não de detalhes. Tinha um cheiro de umidade, que é diferente de sujeira, que fique claro. O mais próximo que consigo descrever é o cheiro de uma casa em construção. Além do cheiro de umidade.

Nesse dia eu tive, pela primeira vez, consciência de que era uma pessoa privilegiada. Meu pai sabia muito bem o que ele estava fazendo, e tenho certeza que foi uma das melhores coisas que ele fez pra minha formação como pessoa. Em casa ele perguntou o que a gente tinha achado da casa da nossa faxineira. Lembro de ter vergonha de dizer que não achei legal. Eu insistia em dizer que era uma boa casa. Isso não saiu mais da minha cabeça. Eu sabia que a minha casa era muito diferente da casa dela. Eu queria não ver, mas com 10 anos eu já sabia que a vida de verdade não tinha as grades altas como na minha casa.

A verdade é que eu não precisaria ter ido longe pra perceber como a minha vida era ótima. Bastaria olhar o álbum de fotos da infância do meu pai e tios, ou conversar com o meu avô Sebastião, que não sentia saudades de ser criança porque "passou muito frio e fome" naquela época. Frio e fome...

Frio que a gente passa quando viaja pra neve.

Fome que a gente sente quanto faz dieta pra perder uns quilinhos.

Minha consciência sobre esse tema parece só aumentar. Talvez eu esteja ficando mais velha e olhando mais ao redor. Talvez eu esteja ficando mais velha e procure mais sentido nas coisas. Talvez eu esteja apenas despertando mais e mais para esse mundo absurdamente desigual em que vivemos.

Fiquei três semanas cozinhando esse texto porque eu não sabia onde eu queria chegar com ele. Não conseguia falar direito sobre meritocracia, a tal falada palavra da moda. Não achava nada muito relevante na minha experiência para aprofundar o tema até que hoje leio o post abaixo da TPM e acho que se encaixa exatamente onde eu queria chegar: na consciência de que somos privilegiados para caramba. Sim, nós: eu e você que está lendo esse texto pela internet no conforto do seu lar, ou no ar condicionado no escritório pelo seu smartphone. Mais que privilegiados somos responsáveis por querer diminuir a desigualdade absurda que temos no Brasil. Somos responsáveis sim. E sei que quem está lendo isso não é burro e entendeu bem o que eu escrevi: somos responsáveis pelas nossas atitudes que contribuem ou não para a desigualdade no nosso país. Ponto.

SOBRE SER UMA NEGRA COM PRIVILÉGIOS
Por Stephanie Ribeiro

"Em 2015, o Tulio, meu parceiro, escreveu o artigo "Você é racista – só não sabe disso ainda" com um ponto que causou muito desconforto nas minhas redes sociais quando compartilhei. Ele dizia exatamente isso: "Ter privilégios significa usufruir de oportunidades e escolhas sem ter que pensar sobre isso, como ligar a torneira de casa para ter água. Decisões que parecem banais, mas não são, por causa da existência de um conjunto de indivíduos da mesma sociedade que não têm as mesmas oportunidades".
A palavra privilégio incomoda. É perceptível, quando alguém se vê diante dos seus privilégios, que a pessoa tende a ficar na defensiva. Contudo, a palavra não incomoda mais do que o fato de estarmos numa sociedade extremamente desigual em que ter privilégio é também visto como banal.